Conheça a história da Família Dolla, pioneiros da agricultura no Brasil

Conheça a história da Família Dolla, pioneiros da agricultura no Brasil

No coração do município de Cascavel, no Paraná, encontra-se uma mulher de propriedade rural que testemunhou gerações de trabalho árduo, resiliência e prosperidade. A história narrada por Ida Maria Dolla de sua família é um exemplo de como o produtor rural, mesmo enfrentando desafios e adversidades, pode construir uma vida digna e contribuir para o desenvolvimento de todo o agronegócio no Brasil. Através de dados históricos e entrevistas exclusivas, embarcamos em uma jornada pela memória, explorando as experiências e lembranças que moldaram a trajetória dessa família.

Um Novo Começo em Terras Brasileiras

Tudo começou há quase dois séculos atrás, quando Franz Dolla, um lavrador de apenas 33 anos, tataravô de Ida, deixou sua terra natal, Monschau, na Prússia Ocidental, e chegou ao Brasil em busca de novas oportunidades. De acordo com registros da Prefeitura de Joinville, em Santa Catarina, Franz veio acompanhado de sua esposa Marianne (34 anos) e seus filhos Francisco (9), Marianne (7), Francisca (5), desembarcou na Colônia com destino a Dona Francisca, em Santa Catarina, após uma longa jornada no navio GUTTENBERG. O ano era 1873, e a família Dolla estava pronta para começar uma nova vida.

Conforme Ida recorda com carinho, Franz foi um dos 70 imigrantes pioneiros de São Bento do Sul. “Cada tripulante recebia somente um litro de água potável por dia no navio e isso resultou em um surto de piolho e desidratação. Imagina o sofrimento e saúde pelo qual os imigrantes passaram para poder chegar até aqui”, comenta Ida.

Da Prússia, veio também o lavrador João Behlke da cidade de Weingarten. Devido a divergências de documentos históricos, não se sabe ao certo se João veio acompanhado de sua esposa Victoria Wollschlaeger ou se ela faleceu na Prússia antes mesmo dele embarcar no Brasil. Segundo a certidão de nascimento do neto do casal, Victoria nunca teria desembarcado ao Brasil, contudo, de acordo com a pesquisa  “POVOAMENTO DO ALTO VALE DO RIO NEGRO”, feita por Paulo Henrique Jürgensen, Victoria teria chegado ao país junto a João no navio Montevideo, cujo capitão era o Strohsahl, no dia 17 de abril de 1888 em São Francisco.

João veio acompanhado de sua filha Susana, que casou-se aos 21 anos com Francisco Dolla no dia 25 de junho de 1888. Da união deste casal, nasceu Antônio Dolla, que durante sua juventude, conheceu Zofia Wozniak Jablonsque em um Mosteiro em Alto Paraguaçu, Itaiópolis. A mãe de Zofia, Marianna Wozniak, trabalhava no local como cozinheira dos padres, pelo quais Zofia foi criada até seus 13 anos.

O casal morou em Itaiópolis, fixando residência na comunidade da época chamada Butiá. Juntos, tiveram 10 filhos, sendo 07 homens e três mulheres.

(Da esquerda para a direita de pé, Jovino Dolla, Emílio Dolla, Alvino Dolla, Regina Dolla Carvati, Ludovico Dolla (pai de Ida Maria), Lídia Dolla Hotz, Matilde Dolla Grossel, 

Luiz Dolla e Paulo Dolla. Sentados na foto, estão Antonio e Zofia. Vitor Dolla, primeiro filho do casal, não está presente na foto).

Considerando os difíceis relevos da região e a condição da família, em 1944, Antonio e Zofia decidiram desbravar uma nova vida no interior do Paraná. 

Construindo um Legado Rural em Cascavel

Segundo documentos apresentados por Ida Maria, a chegada da família Dolla em Cascavel marcou o início de uma trajetória de trabalho incansável e dedicação à terra. Em julho de 1944 a família estabeleceu-se na Colônia São João, no município de Cascavel, que na época era distrito de Foz do Iguaçu.

A trajetória de Itaiópolis até Cascavel foi por meio de três carroças. Relata-se ainda que a viagem foi árdua, devido ao extremo frio do inverno do Sul, obrigando os agricultores inclusive a quebrarem gelo para poderem hidratar os cavalos e os próprios viajantes.

“Quando eles encontravam, durante a viagem, algum lugar que tivesse potreiro, eles paravam para a minha vó Zofia fazer broa, cozinhar feijão, e para os cavalos descansarem. Assim, a família teria o próprio sustento durante a trajetória, que durou 21 dias”, explica Ida, que comenta que sua avó também criava abelhas. 

Considerando que vieram 11 pessoas em apenas 03 carroças, a família não pode trazer muitos utensílios e buscou transportar apenas as ferramentas que utilizariam para o trabalho na lavoura aqui no Paraná.

“Na época, só havia milho e porcos criados em safras, então no primeiro ano após a mudança minha família teve muita dificuldade, pois só havia isso”, aponta Ida. A neta relembra que, segundo relatos da época, o sal branco era racionado, o que prejudicava não apenas o tempero dos alimentos mas também a preservação dos caças.

O sonho do moinho e os desafios no campo

Antonio Dolla trouxe com ele um sonho de construir um moinho, que foi realizado. “Fizeram um açude no Rio Piquirizinho, subafluente do Rio Piqueri, em São João do Oeste. Utilizaram troncos de árvore e para tampar as frestas da construção eles usavam xaxim, o que foi muito difícil na época”, lembra Ida.

Através de um logradouro, conduzia-se a água até uma bica, pela qual movia-se uma roda que conduzia toda a estrutura funcional do moinho,que era feita de polias e correias. No entanto, como a potência da água não era forte, para mover o maquinário do moinho era necessário mover as correias de cada máquina individual da estrutura. Todo o equipamento para o moinho, pedras, polias, engrenagens, eram comprados em Foz do Iguaçu e transportados de carroça para São João.

Mais tarde, o moinho, que foi um dos primeiros da região, abasteceu o exército de Foz do Iguaçu de fubá. Eram duas viagens por mês e quando voltava para Cascavel, a carroça trazia fazenda (tecido), que era vendido em peças grandes, então todos se vestiam igual. Além de sal e café.

Cada peça tinha em torno de 20 a 30 metros de comprimento. Na época, tudo era na base da troca e, como o trabalho era braçal, se realizavam mutirões, onde quem trabalhava durante o dia ganhava um almoço e à noite tinha uma devoção e um baile de encerramento.

“Antonio e Zofia sempre respeitaram, amavam e valorizaram a mãe terra como essência da vida. Então se juntaram as duas profissões, moinheiro e lavrador. Plantavam milho, feijão, arroz, entre outras coisas”, relembra Ida Maria.

Segundo a neta de Antonio, o sabão era feito das vísceras dos porcos e a soda era produzida através da dicuada, uma mistura de água e cinzas. Para perfumar o sabão, a avó de Ida utilizava flor de laranjeira. Já a água para consumo, era retirada de poços com uma manivela que puxava um balde. A iluminação era de lampiões a querosene. 

“Tudo era produzido na propriedade pela família, o açúcar da cana, o trigo torrado que era utilizado para fazer o café, o fermento para a broa, a qual levava o dia inteiro para crescer. O fermento era utilizado uma cultura própria e a broa era assada no lastro, pois na época não existia forno”, conta Ida Maria.

Para tombar a terra usava-se arado de tração animal. Para plantar milho, arroz e feijão utilizou-se um instrumento chamado chacho. Arroz era cortado com um ferro próprio para cortar esse grão e depois era malhado na tarimba. Já o Feijão era malhado pelo cambau, ambos instrumentos construídos com madeira.

Por volta de 1958, a família Dolla começou a conservar os alimentos no sal que se comprava para o gado, comprado em sacos e depositado em coxo. Outro desafio sempre enfrentado pela família, desde a época da sua chegada na região, foi a forte presença de cobras, o que demandava dos produtores cuidados redobrados.

As cobras que eram capturadas, eram enviadas ao Instituto Butantan, de São Paulo, que em troca enviava um antídoto chamado “específico pessoa”, que era utilizado para salvar as pessoas das picadas dos animais peçonhentos, conforme conta Ida.

O Cotidiano Rural e as Tradições

Para notarmos exemplo de quão árduo eram os desafios da época, o Padre chegava a cavalo em São João e rezava a missa na casa do Seu Estanislau Carvati, pai do genro do Antonio Dolla, pois não havia igreja na comunidade. 

Depois de algum tempo, foi construída uma igreja na margem do Rio Piquirizinho. Nessa época, a avó de Ida Maria, Zofia Dolla, era responsável pela alimentação do padre, que dormia na sacristia da igreja em colchão de palha de milho e coberta de pena de ganso. Ida relembra com detalhes como toda a roupa de cama era branca e como a sua avó decorava o altar no domingo com flores.

“Na maioria dos domingos era só rezado o terço, a missa não era semanal e mensal”, pontua Ida, “quando fazíamos festa na igreja era feito um buraco no solo e aí os espetos eram feitos de galhos de guaçatumba e gabiroba, o qual era confraternizar com as famílias sentadas em um gramado”.

Ida Maria aponta que a igreja, já naquela época, servia como um forte meio de interação social entre os fiéis. Anos depois, foi construída a segunda igreja que hoje é tombada como patrimônio histórico cultural do Município de Cascavel e pode ser visitada no lago municipal.

“O trabalho foi braçal e a madeira foi doada pela comunidade. O altar ainda encontra-se na igreja Nossa Senhora de Fátima em São João do Oeste. Nas festas existia um jogo que nós chamávamos de jogo de cavalinho, o momento mais aguardado do dia”, lembra Ida Maria.

O terreno da Igreja do Cemitério e do Colégio de São João de Oeste foi doado pelos tios de Ida Maria, Guilherme e Matilde Dolla Grossel. “Como eles não tiveram filhos, adotaram a comunidade onde viviam como filhos”, finaliza Ida.

Um legado de pioneirismo

Antonio Dolla foi o segundo associado da Associação Rural de Cascavel, hoje conhecida como Sindicato Rural de Cascavel. Ressaltando-se assim, o pioneirismo da família Dolla no desenvolvimento da agricultura brasileira. 

Após percorrer as memórias e experiências da Família Dolla, fica evidente que seu legado é marcado pelo trabalho árduo, resiliência e compromisso com a terra. Desde a chegada pioneira de Franz Dolla ao Brasil até o desenvolvimento de um moinho que ajudou a abastecer a região, a família se dedicou incansavelmente ao agronegócio. A história da Família Dolla é um exemplo inspirador de como a determinação do produtor rural pode superar desafios e contribuir para o crescimento do setor no país.

Como recorda Ida, “O ser humano é a máquina mais perfeita criada por Deus, existindo três fontes de alimento sendo a primeira fonte o ar, a segunda a água e a terceira o alimento propriamente dito. Ambos não se podem diferenciar pela sua importância, funcionam numa sincronia perfeita, afinal, tudo provém do agronegócio”.

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