Professoras pioneiras de Cascavel: Conheça Anita e Ivanir

O texto abaixo é um conteúdo corrigido e atualizado da matéria publicada na Revista Edição nº 103, de março/abril de 2024.
Entre as páginas da história do município que hoje é conhecido como a “capital do oeste” do Paraná, existem inúmeros personagens e famílias que desempenharam na zona rural papéis fundamentais na construção e desenvolvimento do município.
Professoras Pioneiras de Cascavel

Nessa série de reportagens especiais, que se iniciou com a história da Família Dolla na edição nº 99 da Revista SindiRural, o Sindicato Rural de Cascavel está buscando resgatar a história da agricultura através de personagens que, mesmo desconhecidos para grande parte da população, são essenciais para o município.
Hoje, iremos nos aprofundar na história de duas das primeiras professoras pioneiras de Cascavel, que chegaram na localidade da colônia São João, conhecida hoje como comunidade São João do Oeste, primeiro distrito de Cascavel.
Dona Anita, a 3ª professora da Colônia de São João

Anita Adami Reway, hoje aposentada, trilhou um caminho diferente do que muitos professores trilham.
O falecimento de seu pai, Sr. Anastácio Adami, deixou Dona Maria Adami (mãe) com 10 filhos. Na época, não havia subsídio social para garantir o sustento da família. Anita, filha primogênita, iniciou sua atividade como professora aos 16 anos de idade, com a 3ª série primária.
Nascida em Pouso Redondo (SC), Anita morava em um acampamento mantido pelo 1º Batalhão Ferroviário que estava construindo uma estrada de ferro de Arigolândia, próximo a Mafra. Foi então que começou a dar aula de manhã e tarde, para um grupo pequeno de alunos e seu salário provinha do que os pais deles pagavam.
“Para garantir a qualidade e necessidade do aprendizado dos meus alunos, eu pesquisava tudo o que eu podia e foi assim que consegui ir mantendo minha família”, explica Anita.
A professora então se casou com Victor Reway, filho de lavrador residente em Alto Paraguaçu, hoje cidade de Itaiópolis (SC), onde ficou trabalhando na roça com o marido. Jacob Munhaki, fundador e pioneiro da Colônia São João, vereador de Cascavel (PR), quando Cascavel recém tinha deixado de ser distrito de Foz do Iguaçu, preocupado com a necessidade do aprendizado das crianças da época — e sem haver professor disponível — incentivou o primo Victor a mudar-se com Anita para a Colônia São João.
Jacob emprestou seu caminhão. Viajaram duas semanas, trazendo uma carroça e dois cavalos em cima do veículo, descendo os animais apenas para para descanso e hidratação .o pernoite, realizado em potreiro. Para o preparo da alimentação dos humanos, utilizavam panelas grandes apoiadas em forquilha de madeira, elaborando refeição para o momento e para o dia seguinte. A chegada à Colônia São João aconteceu no ano de 1953.
A escola Municipal Rocha Pombo foi construída de madeira em terreno cedido pelo Sr. Antonio Dolla. Havia duas salas germinadas: uma para dar aula e a outra morada da professora. O espaço entre as salas era utilizado para o recreio das crianças quando chovia. O sanitário, conhecido como patente ou privada, ficava do lado externo. Para o banho, utilizava-se gamela (bacia de madeira). A água era retirada de poço de 6 metros de profundidade, com manivela de madeira e balde feito de lata vazia de querosene. No inverno, aquecia-se a água no fogão — o popular banho de caneca. Também se tomava banho no Rio Piquirizinho, subafluente do Rio Piquiri, pois a água não era contaminada. A escola situava-se próxima ao rio.
Sobre seu tempo em sala de aula, Anita relembra a simplicidade. Lecionava para todas as séries juntas ao mesmo tempo, em carteiras conjugadas de madeira, com quadro negro grande, giz e apagador.
A limpeza da sala era realizada pelos alunos. As meninas lavavam as carteiras e o assoalho com sabugo de milho e sabão caseiro feito com gordura de porco e dicuada (solução caseira utilizando cinza de fogão e água). Os meninos puxavam água do poço para a limpeza e usavam vassouras feitas com galhos de árvore para varrer o pátio ao redor da escola.
Pelotão de Saúde: função das meninas. A maioria dos alunos vinha de pés descalços, famílias humildes com muitos filhos(as), e havia epidemia do popular “bicho de pé” e piolho. Alunos necessitados desta ação deixavam os pés de molho em gamela. Retiravam-se os bichos com auxílio de alfinete ou espinho de laranja. Passava-se pente fino na cabeça dos alunos(as) pequenos para retirar os piolhos. Para não infeccionar os pés dos alunos, passava-se banha de porco.
Pelotão do Trabalho vinculado à lavoura: função dos meninos. Cuidavam da horta e do jardim, faziam os canteiros, semeavam as sementes, eram responsáveis por capinar o mato e aguá-las quando necessário.
Pelotão dos Pais: sempre que necessário, reforma ou construção na escola era organizada em forma de puchirão (hoje conhecido como mutirão).
Material escolar dos alunos: bocó (tiracol feito com fazenda — termo usado para tecido). Quando se comprava fazenda, vinha embrulhada com papel grande. As mães dobravam o papel no tamanho de folha de caderno, colocavam folha sobre folha. Para colar, usava-se solução caseira de trigo desmanchado na água, levada ao fogo até obter ponto de cola.
Recreio: para o lanche, traziam batata-doce assada na brasa (borralho) ou na chapa, e/ou broa de centeio. Era costume a troca do lanche. A broa era trazida pelos de melhor condição financeira.
Brincadeiras durante o intervalo: meninos jogavam bolita (duas modalidades: uma chamada “Búlito”, onde era feito um buraco feito no chão com auxílio do calcanhar e a outra, “Às ganhas”, com círculo feito no chão com auxílio da própria bolita). As meninas pulavam corda e brincavam de roda da época (ex. Ciranda, Cirandinha).
Trabalho didático: tinha que formular as aulas pesquisando o conteúdo conforme a série para a qual projetava a aula.
Relacionamento professor e alunos: era de muito amor, dedicação, empenho, respeito e responsabilidade. A tabuada, do um ao dez, precisavam saber de cor e salteado.
Relacionamento professor e pais: repassavam autoridade, confiança e responsabilidade para o professor quando o aluno estava na sala de aula.
Fato: convidada pela igreja para dar ensino do catecismo. As cerimônias religiosas eram muito bonitas durante os rituais da 1ª comunhão e do crisma. Eu organizava meninas vestidas de anjos. As asas dos anjos eram confeccionadas com papelão, cobertas com fazenda ou papel picado (com cola caseira). Os anjos entravam sempre à frente dos catequizandos preparados para tais cerimônias.
De acordo com a professora, o senhor Jacob Munhaki trouxe para a Colônia São João a imagem de Nossa Senhora de Fátima, padroeira da igreja e da comunidade. Anita e os anjos recepcionaram a chegada da Santa (imagem exposta atualmente no altar da Igreja Nossa Senhora de Fátima, tombado como patrimônio histórico da comunidade do Distrito de São João D’Oeste e também do município de Cascavel-PR).
Em 1959, mudou-se da Colônia São João para a pequena cidade de Cascavel. Convidada pela professora Dona Irene Crimbor Hickli, fundadora e diretora da extensão escolar, Escola Júlia Wanderley e Escola Normal Regional “Carola Moreira”, para fazer o teste de seleção. Documento exigido: boletim da 4ª série. Anita possuía apenas o boletim da 3ª série. Visto o pequeno número de candidatos inscritos, foi aberta exceção para o teste seletivo — e ela passou. Finalizou 4ª e 5ª séries primárias. Em sequência, assumiu como professora da 1ª até a 4ª série. Posteriormente, devido à sua competência, assumiu a 5ª série primária.
Buscando qualificar-se, ingressou na PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) no curso de Letras. Seguia um cronograma de estudo rígido. A cada sete dias, viajava de ônibus a Curitiba, assistia às aulas nos três turnos (manhã, tarde e noite). Inclusive, Anita enfrentava as dificuldades do caminho da época. O ônibus quebrava no trajeto. Isso aconteceu até o final da graduação. Ainda estudando, assumiu turmas do Ensino Fundamental. O ônibus quebrava muito no caminho.
Foi uma das responsáveis pela escolha do nome do Colégio Estadual Eleodoro Ébano Pereira.
Anita sente muita gratidão pela vida. “A vida correu tranquilamente normal como de qualquer pessoa cheia de momentos muito alegres e muito bons outros mais tristes, mas sou grata a Deus de coração pela vida que ele me concedeu.”
Anita têm três filhos, Roberto, Marcelo e Débora, 03 netos, todos encaminhados na vida conforme desejo de cada um, com os netos estudando, e quando se reúnem é só alegria. Até hoje, a professora levanta diariamente as 05 horas da manhã, disposta, lúcida, e é a responsável por preparar o café da manhã dos filhos e netos. Ao olhar para seus 93 anos, Anita sente muita gratidão pela vida que Deus lhe concedeu.
Dona Ivanir, a 4ª professora da Colônia de São João

Nascida em 17 de setembro de 1939, em Santa Catarina, Ivanir Adami Dolla carrega consigo as lembranças de uma infância simples, mas repleta de valores s ólidos e princípios nobres. Casada com Alvino Dolla, filho de Antônio (mente aberta quanto a necessidade de ver as pessoas evoluindo) e Sophia Dolla, e mãe de seis filhos, sua jornada na cidade de Cascavel começou em 1957, quando ela chegou à localidade de Colônia São João.
Conheça a história da família Dolla!
Ao chegar na Colônia São João, Ivanir não estava sozinha. Sua irmã Anita já residia na região, assim como dois irmãos, que lá estavam há quatro anos. Esse elo familiar foi fundamental para que ela se estabelecesse e começasse a deixar sua marca na comunidade.
“Existe um motivo pelo qual eu e meus irmãos queríamos ficar próximos uns aos outros, perdemos o nosso pai muito cedo, então sempre procurávamos estar juntos”, explica Ivanir ao contar o que a impulsionou vir morar no município.
A colônia era formada majoritariamente por poloneses vindos de Santa Catarina. Conforme o número de alunos foi crescendo em São João, Ivanir foi convidada pela Secretaria de Educação da pequena cidade de Cascavel para lecionar. Mesmo sem diploma, prática autorizada na época devido à escassez de professores, Ivanir iniciou sua carreira se tornando a 4ª professora da zona rural de Cascavel.
Ela estudou à distância pelo Instituto Universal Brasileiro e ficou, antes de lecionar em São João, no Colégio de Freiras na cidade de Corbélia, vizinha de Cascavel. Por volta de 75, o governo do estado promoveu o curso APRONTE, que habilitou Ivanir e outros professores da região. Esse curso foi um marco em sua carreira, proporcionando-lhe mais conhecimento e segurança para desempenhar seu papel educacional com excelência.
“Assim tive a certeza que estava na profissão certa, amava muito o que eu fazia e amava muito os meus alunos, tanto que não gostava que ninguém falasse mal da minha classe”, recorda Ivanir.
No entanto, mesmo amando seu ofício, eram tempos desafiadores. Ela lecionava para todas as séries juntas, em salas de aula improvisadas, onde as carteiras dos alunos eram simples e a merenda escolar limitada. A limpeza das salas e o cuidado com a higiene dos alunos também faziam parte de suas atribuições, e ela contava com a ajuda dos alunos maiores para auxiliá-la nessa tarefa árdua. Criando o “Pelotão da Saúde”, a professora semanalmente realizava inspeções de higiene e cuidados pessoais, ajudando a combater problemas comuns da época, como piolhos e bichos-de-pé.
“Eu também tinha que levar meu filho bebê junto para a sala de aula, mas os alunos eram muito atenciosos e compreensivos. Alguns até terminaram suas tarefas antes para poder brincar com ele”, relembra a professora.
Além disso, ela incentivava a participação dos alunos em atividades extracurriculares, como artesanato e economia doméstica. Com a ajuda da ACARPA (hoje IDR-PR), essas atividades foram expandidas, ensinando os alunos a aproveitar recursos disponíveis em casa e promovendo concursos agrícolas.
“Fazia cabos de vassoura, panos de prato com bordado, recipiente para lixo de lata de querosene, ensinavam também receitas de bolo, plantar sementes de milho híbrido. Na hora da colheita tinha até concurso com premiação para as escolas e nós ganhamos em primeiro lugar”, conta a professora.
Ivanir também relembra que montou uma fanfarra na escola de campo com os alunos para eles se apresentarem no feriado cívico de 07 de setembro. Através do dinheiro arrecadado por uma rifa, a escola comprou os instrumentos e Ivanir, que sabia tocar fanfarra, ensinou as crianças.
“Na hora do recreio, era aquela algazarra. Os alunos gostavam de ir no mato, atrás da escola, para comer frutas como gabiroba, pitanga e pinhão. Há um rio com água muito limpa perto da escola, eles brincavam e quando o intervalo terminava era uma dificuldade para trazê-los de volta para a sala”, conta Ivanir. Na época, a escola municipal Rocha Pombo situava-se próxima do Rio Piquerizinho, sub afluente do Rio Piquirí.
Fora da sala de aula, Ivanir também deixou sua marca no desenvolvimento da cidade. Ela e seu marido, juntamente com seu cunhado Guilherme Grossel e Américo Basei, foram responsáveis pela doação de terrenos para a construção de igrejas, escolas, e outros espaços públicos para fins sociais. Alvino Dolla, junto com o Guilherme e o Américo, foram os responsáveis por fundar o primeiro loteamento de São João do Oeste.
“As duas primeiras escolinhas eram chamadas de rocha pombo mas não tinham sido efetivadas com este nome. Quando foi construída a 3ª escola, com 3 salas de aula, secretaria, cozinha e banheiros, ampla varanda e água encanada dei a sugestão para colocarmos o nome de José Silvério de Oliveira em homenagem ao primeiro colonizador da região, nome que está até hoje”, relembra a professora.
Hoje, Ivanir Adami Dolla com 84 anos pode olhar para trás com orgulho de uma vida dedicada ao serviço de sua comunidade. Sua história é um testemunho vivo do poder transformador da educação e do compromisso com o bem-estar daqueles que nos rodeiam. E seu legado continuará a inspirar gerações futuras a fazer a diferença em suas próprias comunidades.
Errata 01: A edição nº 99 da Revista SindiRural também contou com a colaboração da produtora rural Jeni Hotz, neta de Antônio Dolla, responsável por compartilhar dados relevantes para a história contada da família Dolla.
Errata 02: A edição nº 99 da Revista SindiRural cita a não existência de fornos, no entanto, existiam sim as fornalhas
Errata 03: Na edição nº 99 da Revista SindiRural, foi publicada uma foto com legenda incorreta. O nome correto da produtora é Regina Dolla Carvat, e não Regina Dolla Carvati, como consta na imagem.